História na Trilha: Você sabe a origem do nome: Praia dos Ingleses?
- 17 de nov. de 2024
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Cheguei a Florianópolis no finalzinho de 2010. Não tinha planos de vir morar na ilha... Por força do destino; ou por razões que a nossa vã filosofia não consegue explicar, me aquerenciei por aqui... Minha primeira morada foi o bairro Ingleses; pertinho da minha casa estava o morro dos Ingleses; foi por lá que comecei trilhar os caminhos lindos e misteriosos da ilha da magia. Sempre gostei de história e de estórias... por coincidência (ou não); foi lá que me deparei com a primeira história aqui da ilha; ao visitar um pequeno museu, existente no sul da praia, bem no pé do morro, também me deparei com as primeiras inscrições rupestres e muitas marcas deixadas por povos antigos. Foi um caso de amor à primeira vista; narrado aqui, para os amigos do WAF Aventura, com a mesma emoção que vivenciei catorze anos antes.
No morro dos Ingleses encontramos muitas inscrições rupestres em sítios abandonados.
Começo minha narrativa com a história real que deu origem ao nome da Praia dos Ingleses. Baseada em relatos dos exploradores do navio espanhol, com tripulação inglesa, que afundou na região sul da praia dos Ingleses.

Toda a história tem que ter um começo, então vou contar um pouco sobre a fundação do povoado de Nossa Senhora do Desterro. A vila foi fundada por Francisco Dias Velho; bandeirante paulista, que por volta de 1675, veio para a ilha de Santa Catarina, com sua família e agregados. Até então; Desterro pertencia à vila de Laguna, desempenhando importante papel político na região. Pouco se sabe da juventude deste bandeirante que dizia ser filho de Francisco Dias (Também bandeirante) e de Custódia Gonçalves. Nascido na vila de São Vicente (capitania de São Vicente) em 1622. Casou-se em São Paulo com Maria Pires Fernandes; filha do capitão Salvador Pires de Medeiros, com quem teve 12 filhos. Dias Velho se estabeleceu e trouxe consigo mais de 500 indígenas escravizados. Mas não é sobre a história da fundação da Vila de Nossa senhora do Desterro a minha narrativa, ela serve apenas de preâmbulo para falar da origem do nome "Praia dos Ingleses". Em outra oportunidade narro com maiores detalhes sobre a fundação da atual Florianópolis.
Trilha pelo costão do Morro dos Ingleses
No extremo sul da praia dos Ingleses existe um pequeno museu, pouco conhecido, mas que guarda verdadeira preciosidade no que diz respeito à história de Florianópolis. É o museu do PAS (Projeto de Arqueologia Subaquática). nele podemos encontrar objetos e partes do navio espanhol que afundou naquela enseada em 1686.
Para quem não sabe o nome Praia dos Ingleses, surgiu por conta deste navio espanhol que foi capturado Pelo Pirata Thomas Frins, que pertencia ao grupo de Edward Davis, corsário inglês, muito ativo nas Caraíbas durante a década de 1680; liderando inúmeros ataques contra navios pertencentes ao império espanhol. O relato simplificado; que levo ao conhecimento de todos os amigos do WAF Aventura; pode ser pesquisado detalhadamente em duas reportagens: Praia dos Ingleses parte 1 e Praia dos Ingleses parte 2, de autoria dos pesquisadores: Francisco Silva Noelli; Alexandre Viana; Marcelo Lebarbenchon Moura; responsáveis pela bela pesquisa e coleta do material exposto no museu do PAS.
Sabe-se que o barco espanhol capturado; trazia uma carga de vinho e pretendia voltar ao Atlântico norte, pelo estreito de Magalhães. Os navios de Edward Davis andaram como piratas, saqueando as terras da coroa espanhola: Panamá, Callao, Barra da Ponta, Porto Santo. O barco de Frins separou-se da frota nas imediações de Callao; ficou por seis meses procurando o resto da frota; guerrearam no Pacífico; em Porto Santo onde sofreram avarias severas. Sobreviveram Thomas Frins e mais sete homens. Necessitando de água e reparos, arribaram à Ilha de Santa Catarina; parando naquela enseada no lado Leste da ilha, a fim de promover reparos na embarcação. Acharam que aquele lugar não era habitado.
O morro dos Ingleses Guarda muitos mistérios
Foram aprisionados por Francisco Dias Velho em 1687, que inventariou e confiscou a carga, aprisionando a tripulação. O historiador Amílcar D’Avila de Mello, um dos maiores especialistas da história colonial catarinense (Mello 2005); sugeriu a hipótese de que o barco de Thomas Frins, teria afundado em 1687. A principal fonte dessa informação é a Nobiliarquia Paulistana, de Pedro Taques de Almeida (1980:85-86), que resumiu/transcreveu partes do inquérito de Frins que consta do livro de registro da Real Fazenda de São Paulo, feito pela justiça. O relato de Taques não é explícito sobre o destino do barco de Frins: informou estar avariado e tripulado por um número insuficiente de marujos, navegando precariamente do Pacífico até Santa Catarina. Porém, é possível deduzir que afundou, pois aportou de arribada para reparos e abastecimento. A confirmação pode estar em outros documentos portugueses ou ingleses. Por que o barco de Frins não consta do inventário feito por Dias Velho? Seria porque o barco, que chegou avariado, teria afundado? Vários pesquisadores trataram do tema (cf. Boiteux 1931), mas nenhum acrescentou dados aos de Taques. O nome “Ingleses” apareceu pela primeira vez em 1776, no mapa de José Custódio de Sá e Faria. Várzea ([1900] 1985:98) resumiu a história oral da origem do nome da Praia dos Ingleses, sobre um barco inglês que ao final do século XVIII aportou para reparos e depois partiu. Possivelmente a tradição oral, após mais de 200 anos, reduziu em um século o evento do barco de Frins.
A história verdadeira sobre a origem do nome da "Praia dos Ingleses"; possui algumas controvérsias; Entre elas está a narrativa de (Coelho - 1856:184): “Essa praia é chamada dos Ingleses por haver ali, em tempos remotos, naufragado um grande navio inglês, e que alguns vestígios ou mesmo destroços foram descobertos pelo temporal de março de 1838”. Essa referência nunca foi repetida na historiografia catarinense. O levantamento arqueológico na enseada não localizou outros barcos afundados no período colonial, fator que relaciona o sítio Praia dos Ingleses 1 aos destroços noticiados por Coelho. Nem os mais velhos pescadores artesanais, cujos antepassados chegaram ali há mais de 100 anos, sabiam do naufrágio. A época do afundamento coincide com o início do processo colonial português na região e com a fundação dos primeiros núcleos costeiros. O assentamento da Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) desenvolveu-se após 1673 e estava consolidado em 1678.
Seja como for; é preciso entender que os relatos históricos são dinâmicos; pois na medida em que novas descobertas são feitas a narrativa histórica pode mudar radicalmente. Resumindo o fato, tais piratas foram presos por Dias Velho que os manteve em cativeiros por um breve período de tempo; possivelmente em condições muito desumanas. Ocorre que naquela época a Inglaterra era aliada de Portugal; mais tarde inclusive, a Inglaterra (eterna inimiga da França); ajudaria a família Real a se mudar para o Brasil, devido às invasões napoleônicas; mas essa também é outra história; embora tudo esteja conectado, não é possível puxar vários fios da história ao mesmo tempo, sob pena de perder o foco daquilo que se quer narrar. De alguma forma Francisco Dias velho, foi pressionado a libertar os prisioneiros ingleses; afinal os corsários eram protegidos e pagos para atacarem navios espanhóis e a coroa da Inglaterra não poderia deixar desamparados os seu aliados.
Sabe-se lá o que passaram esses prisioneiros, certo é que em 1689, cerca de um ano após terem sido libertados; por vingança ou saque, Thomas Frins comandou uma invasão ao povoado de Nossa senhora do Desterro, provocou enorme destruição e matou o fundador Francisco Dias Velho.
Se você gostou dessa história e quer saber de muitas outras; junte-se ao WAF Aventura, torne-se membro e participe das nossas vivências. Os acontecimentos históricos não deixam de ser uma grande aventura! O que você leu aqui neste blog é o resumo de uma rica narrativa histórica, não visa defender nem contrariar teses ou teorias. Para saber exatamente o que aconteceu cada um terá que encontrar os caminhos para efetuar a própria pesquisa. Talvez questões como essa jamais caiam no ENEM; mas certamente as respostas enriquecerão a vida de quem se propuser a estudar. O desafio está feito; nós do WAF Aventura estamos cumprindo a nossa parte; nessa grande aventura da vida!

Bibliografia:
Praia dos Ingleses 1: Arqueologia subaquática na Ilha de Santa Catarina, Brasil (2004/2005/2009)*
Francisco Silva Noelli**
Alexandre Viana***
Marcelo Lebarbenchon Moura****
NOELLI, F.S.; VIANA, A.; MOURA, M.L. Praia dos Ingleses 1: Arqueologia subaquática
na Ilha de Santa Catarina, Brasil (2004/2005/2009). Revista do Museu de Arqueologia
e Etnologia, São Paulo, 19: 179-203, 2009.
Praia dos Ingleses 2: Arqueologia Subaquática na Ilha de Santa Catarina, Brasil (Parte 2)*
Francisco Silva Noelli**
Patrícia Cardoso Monteiro***
Alexandre Viana****
NOELLI, F.S.; MONTEIRO, P.C.; VIANA, A. Praia dos Ingleses 1: Arqueologia subaquática
na Ilha de Santa Catarina, Brasil (Parte 2). R. Museu Arq. Etn., São Paulo,
n. 21, p. 293-314, 2011.
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